terça-feira, 11 de maio de 2010

O Riso e a Razão

Quando Aristóteles diz que o homem é o único animal que ri está chamando a atenção para o quanto a capacidade de rir nos aproxima dos deuses. Se só o homem ri é porque o riso está ligado ao espírito
e à razão, capacidades próprias do humano, portanto o riso nos faz superior aos outros animais. Rimos com o espírito, com a inteligência. Como bem sabe aquele que ri por último porque demorou a entender
a piada, é preciso compreender para achar graça.
Amigos riem juntos de histórias que só tem graça para eles mesmos. Quem não faz parte do grupo, ao ouvir as mesmas histórias, esboçará apenas um leve e educado sorriso.O riso pressupõe
uma relação de cumplicidade e o conhecimento de inúmeras e sutis informações prévias. É possível rir em qualquer lugar: num velório, num batizado, dentro da cela de uma prisão. Mas o riso só se instala quando
faz sentido para o grupo. Qualquer contador de piadas em festinhas sabe que pode errar se não estiver muito atento ao ambiente. A mesma piada pode ser um sucesso ou se transformar na mais constrangedora
gafe.
O riso é sempre o resultado de complexas associações e conexões cerebrais, mesmo quando rimos de uma simples careta. Na verdade a careta capaz de provocar risos nunca é uma simples careta.
Se rimos de alguém com a cara propositalmente deformada é porque nosso cérebro é capaz de compará-la a um rosto harmonioso e podemos compreender e imaginar os movimentos necessários para chegar àquela
deformação. Ela pode nos lembrar um animal ou alguém que conhecemos, ou ainda podemos estar nos deliciando com a capacidade de transformação facial do outro. É interessante que nem toda careta leva
ao riso. Algumas são óbvias demais, outras estão sendo feitas em momento não apropriado. É preciso uma grande conjunção de fatores para que possamos rir de “uma simples careta”.

Millôr Fernandes complementou Aristóteles dizendo que “o homem é o único animal que ri e é rindo
que ele mostra o animal que é”. Pronto. A principal função do riso é nos recolocar
diante da nossa mais pura essência: somos animais. Nem deuses
nem semi-deuses, meras bestas tontas que comem, bebem, amam,
e lutam desesperadamente para sobreviver. A consciência disso é
que nos faz únicos, humanos.
A frase de Millôr nos traz também outras leituras. Existe ética no riso? Rimos de qualquer coisa? E onde
fi ca o politicamente correto tão em voga nos nossos tempos? Piadas sexistas, racistas, excludentes, reforçadoras
de preconceitos provocam o riso? Claro que sim. O ser humano é uma besta, não é mesmo?

Extraído do livro " Elogio a Bobagem " de Alice Viveiros de Castro.

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